sábado, 16 de julho de 2016

Langsdorff: amnésia e transtorno mental


INTRODUÇÃO
                       

            O barão Georg Heinrich Von Langsdorff chegou ao Rio de Janeiro em 1813, depois de ter sido nomeado cônsul geral da Rússia no Brasil pelo Czar Alexandre I. Era naturalista e cientista-viajante, formado em Medicina pela Universidade de Göttingen.

            Em setembro de 1816 adquiriu na região da mata Atlântica a fazenda Mandioca que transformou em centro cultural e científico, hospedando cientistas estrangeiros.

            Em 1821 apresentou projeto a respeito de expedição ao interior do Brasil que logo recebeu aprovação e apoio financeiro do Czar. Preocupado com o registro científico e com a fidelidade das informações que seriam obtidas durante a viagem, selecionou um grupo de cientistas com formação em zoologia, botânica, astronomia e cartografia, além de artista pictórico. Por este motivo, contratou: Edouard Ménétriès, naturalista francês; Johann Moritz Rugendas, pintor alemão; Ludwig Riedel, botânico; Nester G. Rubtsov, astrônomo russo; Georg Wilhelm Freyreiss, caçador e naturalista e Christian Friedrich Hasse, zoólogo.

            Entre setembro e dezembro de 1822 os viajantes percorreram algumas regiões do Estado do Rio de Janeiro e, em seguida, até 1824, fizeram pequenas excursões pelos arredores da fazenda Mandioca. Em maio de 1824 se dirigiram ao Estado de Minas Gerais visitando Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei, Congonhas e outras cidades do interior mineiro.

            Para a segunda etapa da expedição, depois da saída de Rugendas, Langsdorff contratou dois artistas franceses: Aimé - Adrien Taunay e Antoine Hercule Romuald Florence. E, desta vez, optando pela via fluvial seguiria o itinerário das monções que partiam de Porto Feliz, conforme sugestão do botânico austríaco Karl Engler, pois os territórios desse trajeto eram desconhecidos pelos naturalistas. Ao se decidir pelo caminho fluvial o plano era seguir até a capital de Mato Grosso através dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. E, mais tarde, até Belém do Pará.

            A partida ocorreu na tarde de 22 de Junho de 1826, com trinta e oito pessoas (BECHER, 1990, p. 76) incluindo remadores, caçadores, escravos e guias, em oito embarcações. O zoólogo Hasse preferindo ficar em Porto Feliz, não embarcou. Era a primeira vez que cientistas estrangeiros realizavam tal percurso e, em 30 de Janeiro de 1827, chegaram a Cuiabá onde permaneceram por cerca de dez meses, percorrendo os arredores e cidades próximas.

            Em outubro de 1827 Langsdorff dividiu a expedição em dois grupos.  O primeiro grupo com Riedel e Taunay viajaria para o oeste através dos rios Guaporé, Mamoré e Madeira. O segundo grupo com Langsdorff, Rubtsov e Florence seguiria para a Vila de Diamantino e pelos rios: Preto, Arinos, Juruena, Tapajós e Amazonas. O reencontro desses dois grupos dar-se-ia no Porto da Barra do Rio Negro, hoje Manaus; no entanto, alguns imprevistos impediram que isto ocorresse.

            No dia 12 de dezembro de 1827 o grupo chefiado por Langsdorff chegou à Vila de Diamantino onde permaneceu durante quase três meses. No dia 14 de fevereiro chegou carta de Riedel anunciando a morte de Taunay, por afogamento, no Guaporé. No dia 06 de março vários membros da expedição apresentavam acessos de febre intermitente.

            No dia 10 de março o grupo seguiu para o porto do rio Preto acampando numa de suas margens onde permaneceu cerca de vinte dias. Durante este período, o Cônsul e outros membros do grupo foram acometidos por acessos febris com as características da febre intermitente que grassava em Diamantino.

            Em maio de 1828 quando estavam acampados na margem esquerda do rio Juruena, Florence, presenciando o agravamento da condição mental de Langsdorff, anotou em seu diário que ele sofria perda da memória das coisas recentes e completo transtorno de ideias. Por este motivo, a expedição foi interrompida. Os viajantes chegaram a Belém no dia 16 de setembro de 1828 e no dia 26 de março de 1829 embarcaram no brigue D. Pedro I com destino ao Rio de Janeiro.

O material coletado e os manuscritos encaminhados para São Petersburgo, com a interrupção prematura da expedição científica, não puderam ser catalogados e classificados e ficaram durante um século desaparecidos, atrasando sobremaneira sua utilização pela comunidade científica.

            Assim, encerrou-se a viagem fluvial que, sem prazo definido para terminar, estava planejada para alcançar países que fazem fronteira com o Brasil.

            Em abril de 1830, Langsdorff, sem se recuperar de seu estado mórbido, regressou à Alemanha, onde, incapacitado para qualquer atividade científica, conviveu com seus familiares em Friburgo até falecer em 1852, aos 78 anos de idade.

            Os arquivos da expedição permaneceram esquecidos no Museu Botânico da Academia de Ciências da Rússia, em São Petersburgo, até 1930 quando foram encontrados casualmente.

            O Visconde de Taunay, ao escrever sobre Langsdorff, sugere que em Cuiabá já estaria iniciando a perturbação de suas faculdades mentais (TAUNAY, 1977). No entanto, sem qualquer outra referência comprovando o fato, fica tal impressão desprovida de valor histórico. Deve-se considerar também que o próprio Visconde, em carta para Hércules, datada de 06 de julho de 1875, admitiu serem vagas as informações que tinha a respeito do comportamento de Langsdorff (BOURROUL, 1901, p. 328).

Em geral, os autores que descrevem a história da expedição, assim como Florence, concluem que a perda da memória de seu dirigente se deveu à violência das febres intermitentes. Este estudo se propõe a examinar mais detalhadamente esta questão.

 
A DOENÇA TROPICAL

Após dez meses e dez dias de permanência em Cuiabá, os expedicionários seguiram para a Vila de Diamantino. Nesta vila, Florence observou que a palidez das pessoas indicava a prejudicial influência da doença febril entre seus habitantes. Essa palidez, sem dúvida, refletia o estado anêmico em que eles se encontravam. No dia 06 de março de 1828 o Barão escreveu em seu diário que vários membros da expedição estavam acometidos pela febre intermitente.

Depois de cerca de três meses em Diamantino, os viajantes se dirigiram até o porto do rio Preto e ficaram acampados numa de suas margens, entre os dias 11 e 31 de março. Sabiam que os habitantes da região, de maneira empírica, relacionavam a presença da febre com o ar parado e as margens daquele ponto de embarque. No dia 14 de março Langsdorff anotou que vários de seus homens estavam febris. A partir de 17 de março, o Barão, Rubtsov e Florence ficaram hospedados numa casa a seis quilômetros do porto do rio Preto e na tarde daquele dia Rubtsov teve febre e vômitos e Florence estava com dor de cabeça. No dia 18 de março Langsdorff estava inapetente. No dia 19 de março ficaram deitados em suas redes. No dia 20 de março Langsdorff teve calafrios à tarde e febre durante a noite. No dia 23 de março escreveu que tivera calafrio e febre e que não comia havia cinco dias.

O relato das fontes pesquisadas não faz supor que a doença infecciosa do Cônsul pudesse ser diferente daquela que atingira seus subordinados, e suas características não combinam com a hipótese de tifo cerebral como, anos mais tarde, relatou seu filho Georg (BECHER,1990, p. 89). Era uma mesma doença que os afetava, embora ocorressem diferenças individuais no modo dela se manifestar, o que estaria de acordo com a reação natural de cada organismo. Os diários delineiam o quadro clínico quando citam: tipo de ambiente e presença de mosquitos; diversos nomes para a doença como febres intermitentes, terçãs, quartãs, sezões, febres malignas; sintomas que precedem o primeiro acesso febril, como dor de cabeça, sensação de fraqueza, inapetência; sintomas da fase aguda que surgem quando a doença já está instalada, como o acesso febril, calafrios, certamente dores nos membros inferiores, fortes cólicas, vômitos, palidez e períodos de melhoria nos intervalos dos acessos de febre. Citam ainda alguns sintomas mentais como irritabilidade, desorientação temporal, alteração da consciência, delírio febril. Estes sinais e sintomas acima referidos são compatíveis com a manifestação da malária que também tem como sinonímia as diversas denominações da doença febril citadas nos diários de Florence e de Langsdorff.

 
MALÁRIA DOS EXPEDICIONÁRIOS (quadro)

 

 
DENOMINAÇÕES
 
 
Febre intermitente, terça, quartã, sezões, febre maligna.
 
SINTOMAS PRODRÔMICOS
 
 
Dor de cabeça, fraqueza, inapetência.
 
SINTOMAS FÍSICOS
Acesso febril, calafrios, ondas de calor, sudorese, cólicas, vômitos, palidez, dor nos membros inferiores.
 
SINTOMAS MENTAIS
Irritabilidade, desorientação temporal, alteração da consciência, amnésia.
 
PERÍODOS DE MELHORIA
 
 
Nos intervalos dos acessos febris.

 
A MALÁRIA
 

A malária é doença infecciosa causada por parasita do gênero Plasmodium que é inoculado no ser humano pela picada da fêmea do mosquito do gênero Anopheles. O Plasmodium foi descoberto em 1880, ou seja, cinquenta e dois anos depois da contaminação dos expedicionários. Todavia, somente em 1897 ficou conhecido seu modo de transmissão, quando formas do parasita foram detectadas no interior de mosquito. Na época da expedição não havia, portanto, o entendimento exato a respeito da origem da doença. Uma das hipóteses de Langsdorff, por exemplo, era que a febre intermitente se devesse à ingestão da água parada de lagoa. Depois da invasão do plasmódio o mecanismo de defesa do organismo é acionado para impedir sua multiplicação nas hemácias. A febre é um dos sinais desta reação. A doença, dependendo da espécie de plasmódio, é caracterizada por acessos febris com intervalos de 24, 48 ou 72 horas que se acompanham de calafrio, calor e sudorese. Período de incubação é o tempo decorrido desde a inoculação do parasita até o surgimento dos primeiros sintomas da doença e pode ser considerado, em média, como sendo de 14 dias. Durante o período de incubação ocorrem os chamados sintomas prodrômicos, isto é, aqueles que antecedem o primeiro acesso febril, e que são caracterizados por: mal estar, dores no corpo, dor de cabeça, fadiga, sono agitado, irritabilidade, incapacidade para o trabalho, inapetência. Período de latência é aquele de cura aparente e que surge depois do ataque primário que representa o primeiro curso febril da doença. Durante o período de latência o parasita, em bem menor concentração, continua presente no organismo havendo o risco de ataque secundário, ou seja, outro curso febril com manifestações agudas. 

Durante o acesso febril, a malária pode desencadear o chamado delírio onírico acompanhado de confusão mental. Pode atingir o sistema nervoso central e desencadear psicose infecciosa que, neste caso, tem o nome de psicose palúdica. Pode atingir o cérebro, direta ou indiretamente, provocando inflamação que recebe o nome de encefalite.

Em 3 de maio de 1828, quase dois meses depois que tinham partido da Vila de Diamantino, região endêmica para malária, Florence escreveu: Em 34 pessoas não havia senão 15 de saúde, e entre estas só oito tinham escapado até então das sezões. Isto sugere que oito teriam imunidade natural, sete, que já tinham tido a malária, estavam com imunidade adquirida e 19 eram suscetíveis, dos quais os muito suscetíveis seriam Langsdorff e Rubtsov, por exemplo. Florence também observou: tive mais ou menos calafrios e febre até Santarém (FLORENCE, 1977, p. 264). Isto indica que em Santarém ele estaria no período de latência da malária, depois de cerca de três meses sofrendo o ataque primário da doença.

 
     MALÁRIA e LANGSDORFF                                                                                                               
 

No dia 17 de março de 1828 Langsdorff conseguiu hospedagem em casinha boa e seca e assim foi possível sair da mata úmida e abafada. Em 18 de março estava inapetente. Em 19 de março permaneceu deitado na rede. No dia 20 teve calafrios de tarde e febre alta durante a noite. Na manhã de 21 se sentia melhor e com disposição para percorrer os seis quilômetros até o porto onde teve forte acesso febril depois do meio dia. Considerando 14 dias como período de incubação, ele teria sido infectado no dia 06 de março quando ainda se encontrava em Diamantino. Pelo que descreveu, apresentou os seguintes sintomas físicos: febre alta, calafrio, calor seco, sudorese, dificuldade para deambular, inapetência, respiração difícil, sensação de fraqueza, constipação intestinal, febre terçã, dor de cabeça, distensão abdominal, náuseas. E os seguintes sintomas mentais: delírio onírico, confusão mental, desorientação temporal, além de alteração da consciência. Entre 11 e 14 de abril de 1828, sobre o dia seguinte ao do acesso febril, escreveu: as ideias se confundem, vêm outras à mente, são mal compreendidas, e já não se consegue distinguir entre o que é pensamento dos outros e o que é fruto da própria experiência. Também referiu que permaneceu em torpor entre 24 de abril e 13 de maio de 1828, tendo sonhos fantásticos (delírio onírico) e escreveu: não tomei conhecimento do que se passou nesses dias (amnésia lacunar). Não sei como aconteceu, mas perdemos um batelão, e a segunda canoa ficou bastante avariada. Todavia, segundo relato de Florence, em 07 de maio de 1828, Langsdorff ficou furioso com a camaradagem e, sobretudo com o guia, por ocasião do acidente com a canoa (FLORENCE, 1977, p. 265).
 

DESCRIÇÕES DO TRANSTORNO MENTAL

 
      A respeito da situação de Langsdorff, logo após 20 de maio de 1828, Florence observou: perda da memória das coisas recentes e completo transtorno das ideias. Em outubro de 1828, Rubtsov relatou ao Colégio de Assuntos Exteriores: Grigory Ivanovitch piorava a cada dia, e eu não tinha mesmo esperança de chegar com ele à cidade de Santarém. Ele sentia o mesmo, tendo me chamado e declarado que sua vida estaria chegando ao fim, e recomendando-me ocupar o seu posto e enviar todo material sobre história natural a são Petersburgo. Alguns dias depois, ele já havia começado a perder a razão (KOMISSAROV, 1981, p. 44). Chegaram a Santarém no dia primeiro de julho de 1828 e sobre a estadia naquela cidade Rubtsov escreveu: Ele está completamente atrapalhado do juízo. Não sabe nem mesmo onde se encontra, nem o que come (KOMISSAROV, 1996, p. 111).  No início de 1829, a bordo do navio, na viagem de volta ao Rio de Janeiro, segundo Rubtsov: “o ar marítimo foi benéfico a  Grigory Ivanovitch e tudo o que lhe aconteceu anteriormente a esta viagem, ele descrevia. Mas no que se refere a acontecimentos posteriores a 3 de setembro de 1825, até o presente, ele não se lembra. Várias vezes repetia que não se lembrava de nada...” ... “Não pode ser (apesar do avançado dos anos) que esteja em seu juízo perfeito” (KOMISSAROV, 1981, p. 46).  Cabe salientar que naquela ocasião, como ocorrera com Florence em Santarém, os acessos maláricos de Langsdorff já deveriam ter cedido ou, pelo menos, amenizado. Em 27 de abril de 1830 em carta para Florence, Riedel escreveu que Langsdorff estava em completa imbecilidade (BOURROUL, 1901, p. 330). Em novembro de 1829 o embaixador russo Franz Borel escreveu para Karl Nesserolde, ministro das relações exteriores da Rússia: ... Privado de todas as suas capacidades mentais, ele age como se fosse uma criança, não pode ocupar-se de absolutamente nada, e tampouco consegue conversar (KOMISSAROV, 2010, p. 27). Pedro Alexandre Kielchen, vice cônsul da Rússia, escreveu para Florence, em 25 de setembro de 1830: o Sr. Cônsul geral Von Langsdorff embarcou para a Europa com toda sua família em abril último... a sua saúde continuava sempre no triste estado como quando estáveis em sua companhia (BOURROUL, 1901, p. 331). Em abril de 1831, Dr. Bozen, médico de Freiburg, atestou que Langsdorff, em consequência de febre tropical, havia sofrido perda da memória, não se recordando dos acontecimentos dos últimos anos, mas com ótimas lembranças de suas viagens anteriores à Expedição brasileira (KOMISSAROV, 1992, p. 129). Na Alemanha, seu filho Georg relatou: Na última viagem de meu pai, com o objetivo de conhecer a origem do rio Amazonas, ele ficou enfermo e perdeu a memória... ...conseguia se lembrar exatamente do passado, mas não do presente. Assim, ao acabar de ler um jornal, as primeiras linhas eram para ele uma novidade (BECHER, 1990, p.89).

   

MEMÓRIA E LANGSDORFF

 
Durante os acessos febris, Langsdorff apresentava delírio onírico que corresponde a estado confusional agudo, em geral, com intensa produção de ilusões e alucinações visuais. Nesta condição, seu contato com o mundo externo ficava prejudicado e tinha a sensação de estar participando diretamente de cenas agitadas, como se sonhasse, sem fazer distinção entre o que era próprio de sua imaginação e o que era real. Ele mesmo fez referência a esta situação quando comentou em seu diário que estava tendo sonhos fantásticos. Neste estado, permanecia durante várias horas e, posteriormente, ao se recuperar, não se recordava do que havia acontecido. Este tipo de esquecimento tem o nome de amnésia lacunar e se restringe aos eventos relacionados com o período de confusão mental. E, pelo que ele referiu em seu diário, também não se recordava do acidente das canoas e, consequentemente, de ter ficado furioso com o pessoal como foi citado por Florence.

A partir de 20 de maio de 1828, aos 54 anos de idade, seu quadro mórbido se agravou e, além do transtorno de ideias, passou a apresentar perda da memória para fatos recentes, ou seja, a assim denominada amnésia de fixação. Isto significa que, a partir daquele momento, havia perdido a capacidade de reter as impressões do que ocorria, ou do que viesse a presenciar. Anos mais tarde, de acordo com relato de seu filho Georg, não se recordava de que havia lido o jornal, logo após a sua leitura.

A partir de março de 1829, no navio que trazia os expedicionários de volta ao Rio de Janeiro, Langsdorff denotou melhora do seu estado mental ao discorrer sobre eventos do passado. Isto indica que a memória de evocação estava preservada. No entanto, na mesma ocasião, ficou evidente seu completo esquecimento da expedição fluvial, a partir do embarque dos viajantes na baía da Guanabara com destino à cidade de Santos, em 03 de setembro de 1825.  Este tipo de perda de memória tem o nome de amnésia psicogênica que, determinada por uma repressão das recordações, está relacionada com o mecanismo psicológico de defesa contra experiências que se mostraram insuportáveis pelo grau de aflição que causavam. Desta forma, a realidade envolvendo tais eventos não mais exerceria atuação desagradável, pois, mentalmente, era como se não tivesse ocorrido (KOLB,1976, p.118).

Contribuíram para que a amnésia psicogênica se manifestasse vários agentes estressores relacionados, direta ou indiretamente, com a expedição fluvial. A somatória de seus efeitos prejudiciais tornou a realidade difícil de ser suportada fazendo com que Langsdorff atingisse o esgotamento, ou fase de exaustão do estresse, principalmente, a partir da estadia na Vila de Diamantino. Ele estava ciente da gravidade de seu mal, pois em 22 de abril de 1828 pediu autorização a Nesserolde para que Riedel e Florence continuassem a viagem seguindo o roteiro planejado. E, em 18 de maio, logo depois de anotar em seu diário que fora acometido de febre intermitente, maligna e irregular, solicitou férias para descansar na Europa (KOMISSAROV, 1992, p. 127).

 
MEMÓRIA DE LANGSDORFF (quadro)

 

CONDIÇÃO
 
DATA APROXIMADA
DESCRIÇÃO
 
AMNÉSIA LACUNAR
 
Fim de março e em abril e maio de 1828.
Não se recorda de eventos relacionados com os períodos de confusão mental.
 
 
AMNÉSIA DE FIXAÇÃO
 
A partir de 20 de maio de 1828
Perda da memória para fatos recentes, a partir do início do transtorno mental.
 
 
 
AMNÉSIA PSICOGÊNICA
 
Conforme observou Rubtsov, a bordo do navio na viagem de volta ao Rio de Janeiro, a partir de 26 de março de 1829.
Não se recorda dos eventos desde 03 de setembro de 1825 quando os viajantes partiram do Rio de Janeiro para organizar a expedição fluvial.
 
 
MEMÓRIA DE EVOCAÇÃO CONSERVADA
 
 
Conforme observou Rubtsov, a bordo do navio na viagem de volta ao Rio de Janeiro, a partir de 26 de março de1829.
Recorda-se de fatos do passado, anteriores a 03 de setembro de 1825.

 
CONCLUSÃO

 
Depois de sua chegada ao Brasil e até 1826, Langsdorff havia enfrentado situações emocionalmente difíceis, como: separação conjugal, acanhado resultado de seus empreendimentos agrícolas, perda da fazenda Mandioca e fracasso da colonização alemã (KOMISSAROV, 1996, p. 79) e morte de seu escravo Alexandre (KOMISSAROV, 1996, p. 62) que era quase indispensável para a viagem científica. As circunstâncias e o tipo de personalidade do Barão, todavia, permitiram que, inicialmente, superasse a atuação prejudicial de tais percalços. Apesar da viagem até Cuiabá ter sido perigosa, dura e difícil, Langsdorff, durante sua estadia naquela cidade, escreveu carta a seu pai se dizendo com boa saúde e denotando disposição em prosseguir com seu objetivo (BECHER, 1990, p. 79). No entanto, em Diamantino ele passou a dar sinais de fadiga mental e foi também naquela Vila que recebeu a carta de Riedel comunicando a morte trágica de Adriano Taunay. Seu desgaste ainda continuou quando, contra sua vontade, juntamente com seus subordinados, aguardou, por três semanas, pelo embarque no porto do rio Preto. Mostrou aí sua irritação com a administração da Vila de Diamantino que impedia o avanço da expedição (KOMISSAROV, 1996, p. 100). Nesse ínterim, a malária, até então incubada, passou a se revelar e os diversos fatores externos agindo como estressores e com tendência a comprometer o sistema imunológico contribuíram para que sua enfermidade se agravasse.

O delírio onírico, durante o acesso malárico, pode ocorrer em determinados indivíduos, desde que haja predisposição genética para seu aparecimento. Os sintomas mentais de Langsdorff iniciaram com os acessos febris quando, em delírio onírico, entrava em confusão mental com produção de distúrbio senso perceptivo e desorientação no tempo. No dia seguinte ao do acesso febril, conforme ele mesmo referiu em seu diário, as ideias se confundiam e vinham outras à mente que eram mal compreendidas e não conseguia fazer distinção entre o que era pensamento propriamente seu e o que era de outrem. Esta descrição, indicando que algum sintoma mental persistia independente do acesso febril, sugere a presença de distúrbio senso perceptivo com característica de Automatismo Mental de Clérambault.

Em 07 de maio de 1828, Florence observou que Langsdorff ficou furioso (1), ou furiosíssimo (Florence, 1977b), quando, acidentalmente, uma das canoas foi danificada pelas pedras. Como o Barão, pelo que registrou em seu diário, não se recordava dessa cena é possível inferir que estivesse em estado crepuscular (também denominado estreitamento da consciência) que, algumas vezes, acompanha a excitação violenta que pode surgir como um dos transtornos psíquicos da malária (PAIM, 1980, p.103). Durante o estado crepuscular o indivíduo pode ficar agressivo e mais tarde não se lembrar dos atos que praticou.

Não muito tempo depois de ser contaminado pela malária, segundo descrição daqueles que o conheceram pessoalmente e que o presenciaram enfermo,Langsdorff já apresentava sinais sugestivos de quadro demencial. Em Santarém ele estava completamente atrapalhado do juízo sem saber onde se encontrava ou o que comia, segundo Rubtsov. O declínio das funções da inteligência, a incapacidade para o trabalho e para manter diálogo são sinais que se destacam na descrição feita por Franz Borel. Ao escrever que ele se encontrava em estado de completa imbecilidade, era uma maneira de Riedel avaliar o grave rebaixamento do nível intelectual que ele apresentava.

Uma provável hipótese para esta situação é a demência precoce descrita por Marchand em 1935 (ALMEIDA PRADO, 1943, p. 405) acarretando um comprometimento cognitivo irreversível. A encefalite psicótica de Marchand pode surgir de forma secundária a infecções, que neste caso é a malária, e evoluir, desde o início, sob a forma crônica. Para diferenciar esta síndrome da demência precoce constitucional, na qual não são observadas lesões inflamatórias, Marchand a denominou de demência precoce encefalítica.

Além da fase aguda da malária, como fator desencadeante, haveria uma condição favorável ao desenvolvimento do transtorno mental, dada pelos traços herdados e adquiridos. Sem uma tendência latente para produzir este tipo de demência, a reação de Langsdorff à maleita, provavelmente, não seria muito diferente daquela apresentada pelos companheiros de viagem que também foram infectados por ela.  

 

 

Nota:
 
1- Voyage fluvial du Tiete à l Amazone , par les Provinces Brésiliennes de St.Paul, Mato Grosso et Gram - Pará. Página 390, linha 23: M. De Langsdorff se mit dans un fort colère contre nos gens, et surtout contre le guide, qui est cause de bien des sinistres dans ce voyage.


BIBLIOGRAFIA

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25.  MAYER - GROSS, Slater e Roth.  Reações exógenas e psicoses sintomáticas.  In: Psiquiatria Clínica. São Paulo, Editora Mestre Jou, 1972.
26. MORAES, Plínio Guimarães. Um interlocutor privilegiado da Expedição Langsdorff: o botânico e médico austríaco Carlos Engler. IV Simpósio Internacional sobre Acervo de Expedição de G. H. von Langsdorff, Petrópolis, R. J., junho de 1992.
27.  PAIM, Isaías. Tratado de Clínica Psiquiátrica.  2ª edição, São Paulo, Editora Ciências Humanas, 1980.
28.  RAIMONDI, Silvio.  Psicosis palúdica. Breves consideraciones sobre un caso clinico. Archivos Argentinos de Neurologia, Buenos Aires, maio, 1928.
29.  ROBBINS, S. Malária. In: Patologia. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1969.
30. SILVA, Danuzio Gil Bernardino da (org.). Os diários de Langsdorff. Volume III. Trad.: Márcia Lyra Nascimento Egg e outros. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.
31.  SILVEIRA, Aníbal.  Ciclo heredológico em psiquiatria.  Curso de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de Jundiaí, 1973.
32.  SILVEIRA, Aníbal. Delírio onírico.  Fixação pós-onírica. Hipótese quanto à patogênese. Curso de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de Jundiaí, 1973.
33.  SLVEIRA, Aníbal. Encefalite psicótica de Marchand. A propósito de um caso médico – legal. Folha Médica, outubro, 1939.
34.  SILVEIRA, Aníbal. Psicoses infecciosas em geral. Curso de Psiquiatria. Faculdade de Medicina de Jundiaí, 1973.
35. TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. A expedição do cônsul Langsdorff ao interior do Brasil. In: Hércules Florence, Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829, Cultrix / Edusp, 1977.
 




 






 

 

 

 

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Aldeia dos apiacás, abril de 1828


Hércules Florence, como desenhista da Expedição Langsdorff, durante os dez dias em que permaneceu junto dos apiacás, fez deles descrição, desenhos e aquarelas, apesar de estar, na ocasião, contaminado pela malária. Mais uma vez se destacava seu pioneirismo, pois ninguém antes dele havia produzido relato tão detalhado a respeito daqueles índios. Era a manhã do dia 11 de abril de 1828 quando os expedicionários desembarcaram na margem esquerda do rio Arinos, em Mato Grosso, onde se encontrava a maloca dos Apiacás que os receberam alegremente. Havia poucos dias que eles estavam ali atraídos por rio piscoso que corria nas proximidades. Tinham construído grande cabana coberta de sapé para a moradia de cerca de oitenta pessoas. No interior da cabana o grande número de redes de dormir, suspensas umas sobre as outras, eram distribuídas, de tal maneira, que sua presença impedia que se caminhasse entre elas.
Os apiacás eram de índole pacífica, muito dóceis, de estatura regular e bem feitos de talhe. Alegres e receptivos tinham a fisionomia menos selvagem e algumas jovens se assemelhavam às mulheres do sul da Europa. Sua pele não era tão acobreada, pois viviam sob densas florestas e em moradia espaçosa.
Eles se apresentavam em completa nudez e com o corpo avermelhado pelo urucum. Os homens, que cobriam o órgão genital com uma espécie de invólucro feito de folhas de pacova, traziam no rosto uma marca que era comum a todos eles e, espalhados pelo peito e pelo ventre, tinham desenhos em que predominavam quadrados e ângulos retos, paralelos entre si. Eles pintavam o corpo com o suco do jenipapo deixando que a cor escura permanecesse até que, após vinte ou trinta dias, se apagasse naturalmente. As mulheres desenhavam com o jenipapo listras pretas nos quadris ou nas pernas. Alguns apiacás, que se pintavam entre a cintura e os tornozelos, causavam a impressão de que vestiam calças pretas muito apertadas.
Para que fossem bem sucedidos na pescaria eles haviam fechado a embocadura do ribeirão com uma paliçada e no fundo dela fizeram buracos onde colocaram esteiras que deixavam retidas contra a correnteza. A presença dessa armadilha fazia com que a água subisse e transbordasse. Todas as manhãs vários índios embarcavam numa piroga para apanhar os peixes. Mergulhavam no local da armadilha e, trazendo à tona as esteiras, recolhiam os peixes à piroga que depois de alguns minutos já se encontrava abarrotada. Ao retornarem à maloca eles deixavam os peixes com as mulheres para o cozimento. Quando havia uma excessiva quantidade de peixes, as mulheres os assavam e, depois os secavam e socavam obtendo, através desse processo, a farinha de peixe que era ensacada e condicionada entre os mantimentos. Depois da pesca, os homens, durante o resto do dia, estavam livres para a confecção de arcos, flechas, enfeites ou permanecerem desocupados.
Outro encargo que cabia às mulheres era a preparação do camuí, bebida feita de milho. Duas mulheres, utilizando varas retas de quatro metros de altura, socavam no pilão o milho que depois era cozido em panela de terracota.
Os apiacás eram também hábeis na cestaria e usavam, em sua confecção, o vime ou o caniço. Os cestos, as joeiras e as peneiras eram trançados e arredondados com perfeição. Os descansos feitos de vime para panelas eram uma exclusividade deles. Outra de suas aptidões era a feitura de louça de argila cuja parede se caracterizava pela fina espessura. Sabiam tecer panos de algodão que empregavam em redes, braçadeiras e jarreteiras embora nada usassem como veste. Eram capazes de retirar a casca da árvore e, depois de empregar determinada técnica, fazer dela, rapidamente, uma piroga e, com a mesma rapidez, fabricar seus remos da guaitivoca que é espécie de taquara. Araras, papagaios e belas aves contribuíam para a confecção de seus ornamentos feitos de pena. Para produzirem seus enfeites usavam sementes, dentes e garras de animais.
Hércules, que não observou entre eles o menor indício de poligamia, anotou que viviam aos pares formados apenas de união amorosa tão duradoura quanto suas próprias vidas. As mulheres, que não eram escravas como ocorria entre os bororós, tinham maneiras agradáveis e a fisionomia jovial. No entanto, havia aquelas que se entregavam aos viajantes e que, sifilíticas, não pertenciam a ninguém.
Três dias depois, Hércules e seus companheiros de expedição seguiram até outra aldeia dos apiacás onde a principal habitação compreendia uma única choupana, muito ampla, coberta de sapé. Ali os índios criavam araras que, como eram em grande número e domesticadas, se empoleiravam na grande maloca e nas árvores das proximidades. Elas voavam para a mata, mas retornavam e os índios podiam levá-las para onde quisessem. A criação de araras tinha como finalidade o abastecimento de penas e carne. Havia, também, uma tulha feita de paus atravessados e bem unidos, com cerca de quatro metros e meio de altura e que continha provisão suficiente de milho para que cada um usasse de acordo com sua vontade.
Uma terceira aldeia de apiacás, localizada junto ao rio Juruena, foi alcançada alguns dias mais tarde, quando a expedição, prosseguindo seu trajeto, se dirigia ao Pará.
O sistema em que os apiacás viviam era caracterizado por uma igualdade sem restrições. E, assim, a todos eles pertenciam as plantações, as colheitas, os produtos de caça e pesca, as pirogas, os barcos, as esteiras e os utensílios, em geral. Apenas o arco, as flechas e os ornamentos, por exemplo, poderiam ser considerados como propriedade particular. Além do milho eles semeavam outros tipos de grãos e também plantavam mangaritos que, como escreveu Hércules , “ é raiz tuberosa como a batata inglesa, mas cujo gosto agradável faz supor que foram cozidos com manteiga ”. Depois da participação de todos, levavam até a cabana geral o produto da colheita que era ajuntado na tulha e de onde cada um poderia conseguir a quantidade que desejasse. A habitação era formada por uma única e grande choça, em que todos moravam, sem que qualquer um deles tivesse mais direitos do que os outros. O índio que se instalava na maloca da outra aldeia, ficava tão à vontade como se estivesse em sua própria moradia. De acordo com Hércules, como era ignorado o princípio da propriedade, isto fazia com que, entre eles, não houvesse os atos danosos que ocorrem nos meios civilizados e nem se via criminosos como: ladrões, assassinos e estelionatários.
A convivência com esses índios fez Hércules, vários anos depois de sua viagem, concluir que o homem podia ser feliz no estado selvagem; o impressionara o sentimento que cada um deles tinha pelos demais, enquanto que, na civilização, a filosofia dominante era que cada um cuidasse apenas de si.
A maneira de viver dos apiacás era, de acordo com Hércules, uma advertência para que se melhorasse a categoria dos civilizados, sem que isso significasse retornar à condição de seres primitivos.

Observação: Esta descrição teve como base o trecho do diário de viagem de Hércules Florence relacionado com a tribo Apiacá.

domingo, 8 de março de 2015

Acte de naissance de Hercule Florence


 
 

 “Mairie de Nice. Arrondissement communal de Nice.
Dix huit Ventose An douze de la République française.
Acte de naissance de Romuald Florence né a Nice ce matin a deux heures apres minuit fils d'Arnaud Florence professeur de dessin aux écoles secondaires demeurant rue de la Raison, et d'Augustine Vignali maries.
Le sexe de I'enfant a été recconnu etre male.
Premier témoin Guillaume Runel menuisier agé de soixante six ans demeurant à la dicte rue qui a dit etre voisin du pere de I'enfant.
Second témoin Honnore Blanqui surveillant de cette Mairie agé de cinquante huit ans demeurant rue Municipale qui a dit etre ami du pere de I'enfant.
Sur la requisition à nous faite par Ie citoyen Arnaud Florence pere de I'enfant les temoins, et Ie pere de I'enfant ont signé avec moi.
Constaté suivant la loi par moi Jacques François Defly Maire de cette ville faisant les fonctions d'Officier public de I'état civil. Soussigné Runel, J. Fr. Defly. Florence".                                         

(Esta transcrição está no artigo de William Luret em "Annales monegasques" - 2006)
                                                                                 

                                                                                           

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Filhos com Maria Angélica

O próprio Hércules descreve o nascimento de seus treze filhos com Maria Angélica, conforme consta em artigo escrito por Francisco Álvares Machado e Vasconcellos Florence que tem como título: "Amador Bueno, o Aclamado, e os descendentes de Hércules Florence".

 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Voyage fluvial

"Voyage fluvial du Tietê à l´Amazone" foi lançado pela Editora La Lanterne magique no ano de 2013. A ilustração de capa representa detalhe da aquarela Distrito da Chapada de 1827 de Adrien Taunay.