terça-feira, 22 de abril de 2008

VIAGEM FLUVIAL

A Expedição Científica chefiada por Langsdorff estava inicialmente planejada para seguir por terra, a cavalo. No entanto, houve mudança de planos e, no seu diário de viagem, Hércules explica o motivo transcrevendo a carta que recebeu de Langsdorff.
Langsdorff mudando a trajetória da Expedição de terrestre para fluvial permitiu que Hércules conhecesse Álvares Machado e conseqüentemente sua filha Maria Angélica com quem se casaria cinco anos mais tarde.

Na época, Vila de São Carlos era o nome de Campinas.


Enquanto em São Carlos me entendia com um tropeiro, para o transporte de nossa bagagem a Cuiabá, recebi do Sr. Langsdorff carta em que me dizia:
"Já não vamos por terra para Cuiabá; para lá iremos por meio do rio, e embarcaremos em Porto Feliz. O Doutor Engler, de Itu, assegurou-me que os naturalistas ainda não exploraram esta rota, ao passo que vários deles, como os Srs. Martius e Spix, Burschell, Netterez, etc., já se valeram do caminho por terra. Venha a Porto Feliz, à casa do Sr. Francisco Álvares Machado e Vasconcellos, excelente pessoa, cujo conhecimento o Sr. Engler me favoreceu. Vou percorrer o sul da província e o Sr., enquanto isso, ajudado pelo Sr. Francisco Álvares, cuidará de aprestar as canoas e os víveres, assim como arrolará as tripulações".

Referência:
Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas: pelas Províncias brasileiras de São Paulo, Mato Grosso e Grão Pará (1825-1829). Tradução de Francisco Álvares Machado e Vasconcellos Florence

sábado, 19 de abril de 2008

AVANHANDAVA

Meu pensamento ocupou-se muitas vezes com o Avanhandava e o Itapura, outra cachoeira do Tietê. O martírio da vida social do século recalcou meu pensamento para o sertão - não é exagero dizê-lo. E num movimento de entusiasmo, exclamei:

Avanhandava! Ainda vejo e admiro
sobre teu anfiteatro de granito
um caudaloso rio transformado em toalha tecida
d’ alvos brilhares, trêmulo - cadentes!
Itapura! Ainda aos ouvidos soam-me
com eternos trovões, harpas eólicas,
que vagamente enlevam.
(Viagem Fluvial, traduzido por Francisco Álvares Machado e Vasconcellos Florence).

sábado, 12 de abril de 2008

RIO DE JANEIRO

Sobre a baia de Guanabara, que conheceu em 1824, escreveu:

A baía e seus arredores não ficam em plano inferior a Constantinopla, Nápoles e Lisboa. A cidade não lhes é superior, embora mais vasta, pois não se vêem nela palácios nem grandes edifícios; mas desde vinte anos que a conheço ela tem-se embelezado, e edificam-se todos os anos tantas casas que, no dizer de um francês esclarecido, o Sr. Charles Taunay, ela não tardará em sobrepujar a população dessas grandes cidades.
(traduzido por Estevam Leão Bourroul).

A respeito de sua volta ao Rio de Janeiro em 1829, ao término da Expedição Langsdorff, escreveu:

As belezas pitorescas esparsas no deserto tinham-me ensinado a sentir as belezas inúmeras do Rio de Janeiro, belezas que excedem Nápoles, Constantinopla e Lisboa e que são, além do mais, coroadas de uma vegetação espontânea que não tem essas cidades célebres, que só acharia sua igual em Panamá ou nas margens do Nilo e que pertence às primeiras idades do mundo. Rio de Janeiro foi feito para formar os pintores e os poetas. Por um comércio secreto entre a natureza e o gênio, os seus quadros fazem nascer a inspiração que se expande em uma atmosfera que, por sua vez, a acalenta sem cessar.
(traduzido por Estevam Leão Bourroul)

A CHEGADA EM PORTO FELIZ EM 1826

Cheguei a Porto Feliz; atravessei lentamente a sua longa rua, montanhosa e deserta, calçada de cascalho; o sol dardejava os seus raios a prumo sobre minha cabeça. Chego enfim à casa de Francisco Álvares: sai um homem para me receber: o seu rosto de cor clara, mas descorada; os seus olhos um pouco encovados e cercados de uma tinta violeta, tinham algo rebarbativo; mas seus cabelos pretos anelados sobre uma fronte pálida, onde se lia alguma coisa, temperavam a reserva que seu olhar inspirava: era o excelente Francisco Álvares. Mal soube quem eu era, soltou uma exclamação de alegria; dei entrada numa pequena sala; as suas palavras e as suas maneiras me encheram de simpatia.
Desde este primeiro dia, tratou-me como se eu fosse da família: livros franceses, instrumentos de física, a calma perfeita que se desfruta em uma pequena cidade, e, mais do que isso a sua privança, a sua palestra variada, viva, agradavelmente mordaz, abraçando tudo; sua casa e seu jardim deitando para uma encosta rápida em cuja base corre o Tietê; a vista de uma vasta planície, onde o rio serpeia e foge para o deserto; numerosa sociedade dos bons habitantes desta cidade, toda brasileira e liberal, todos os dias, na mesa, e a toda hora, tudo isto fez de minha estada em Porto Feliz, uma era de felicidade de que raramente gozei.
Tenho saudades deste tempo; saudades de Francisco Álvares a me recitar Camões, Francisco Manuel, Bocage e outros muitos.

(Trecho do manuscrito de Hércules escrito em 1848 descrevendo sua chegada a Porto Feliz, traduzido por Estevam Leão Bourroul)

sábado, 5 de abril de 2008

PORQUE LANGSDORFF PERDEU A MEMÓRIA

Introdução
O barão von Langsdorff, quando cônsul da Rússia no Brasil, organizou e chefiou uma expedição fluvial ao interior do país, partindo, em junho de 1826, de Porto Feliz.
A expedição, financiada pelo governo russo e sem ter um prazo exato para terminar, estava também planejada para alcançar países vizinhos. No entanto, a doença mental que acometeu Langsdorff, e da qual não se recuperaria durante o resto de sua vida, foi responsável pela interrupção da expedição e pelo esquecimento e abandono do material coletado e dos manuscritos que permaneceram desaparecidos durante um século.Os expedicionários, depois de atingirem Cuiabá onde permaneceram mais de ano, chegaram à Vila de Diamantino, onde a malária se refletia nas pálidas faces de seus moradores. Em seguida, no dia nove de março de 1828, seguiram mais ao norte, até o porto do rio Preto onde permaneceram vinte e dois dias. Eles sabiam que corriam risco de adoecer durante estadia prolongada naquele local insalubre. O ambiente era propício para desencadear doença febril que, no caso deles, seria hoje diagnosticada como malária que, em vinte e dois dias, teve período suficiente para sua incubação seguida dos principais sinais e sintomas que a caracterizam. Langsdorff estava entre aqueles atingidos por ela.

Malária
O parasita responsável pela malária (plasmodium sp) foi descoberto em 1881 quando se comprovou que ele é inoculado no ser humano através da picada de determinado gênero de mosquito (Anophles). Na época da expedição não havia, portanto, entendimento exato sobre a origem do quadro clínico da doença. Uma doença febril, como a malária, tem duas possibilidades de ocasionar perturbações psíquicas: ou o processo infeccioso exerce ação indireta sobre o cérebro, ou o atinge diretamente.Na literatura médica brasileira há várias referências sobre casos de doença mental em pacientes contaminados pela malária. Todavia, o uso de medicamentos modernos tornou rara a manifestação desse tipo de psicose.Além de ser capaz de produzir o delirium febril, o parasita da malária pode atingir o cérebro e seus vasos sanguíneos, provocando inflamação. Essa inflamação cerebral determina a presença de distúrbios psíquicos que, na fase aguda, são evidenciados pela confusão mental. Tal condição pode evoluir com lesões definitivas, resultando num quadro psicótico permanente. Além da infecção febril, como fator desencadeante da perturbação mental há uma predisposição individual para que a enfermidade se instale.

Amnésia
Após ter sido infectado pela malária em março de 1828, Langsdorff passou a apresentar sintomas mentais que acompanhavam os acessos febris indicando a presença de alteração da consciência. Essa manifestação conhecida como delirium corresponde a um estado de confusão mental. Nesse estado, Langsdorff permaneceu durante horas, ou dias seguidos e ao se recuperar, posteriormente, pouco se recordava do que lhe havia acontecido e do que sucedera ao seu redor. Padecia, na ocasião, de uma amnésia lacunar, isto é, amnésia que fica restrita aos eventos relacionados com o período de confusão mental e que se denomina pós - confusional. No início, após cada acesso febril, a remissão do "delirium" era, certamente, completa. No entanto, a freqüência com que ocorriam as crises, fez com que os sintomas psíquicos persistissem, mesmo durante os intervalos em que a febre cedia. Essa condição revelou a gravidade do estado mental de Langsdorff que começava, assim, a perder a razão. O agravamento do seu estado de saúde foi observado a partir da segunda quinzena de maio de 1828. Hércules Florence, anotou em seu diário que Langsdorff, na ocasião, exibia perda da memória para acontecimentos recentes além do completo transtorno das idéias.A doença mental, portanto, estava instalada, trazendo, como uma de suas conseqüências, a amnésia de fixação. Isso significa que, a partir daquele momento, Langsdorff havia perdido a capacidade para reter as impressões sobre os fatos que viesse a presenciar.Seu filho Georg, anos mais tarde, observou que o pai, imediatamente após ler o jornal, não conservava lembrança do conteúdo inicial da leitura; isso comprova que um dos sinais de sua doença era a amnésia de fixação.
No navio que o trazia de volta para o Rio de Janeiro, no início de 1829, Langsdorff apresentou uma aparente melhora de seu estado mental e se recordou, detalhadamente, de muitos eventos de seu passado. Naquela ocasião, no entanto, demonstrou ser portador de uma amnésia restrita a acontecimentos significativos, pois não se recordava de nenhum fato relacionado com o período compreendido entre a saída da expedição do Rio de Janeiro em 03 de setembro de 1825 e seu término em Belém.Esse tipo de amnésia, que tinha as características de um processo seletivo, se sobrepôs ao quadro psicótico. Representava um mecanismo psicológico de defesa de Langsdorff contra experiências que se lhe mostraram insuportáveis pelo grau de sofrimento e de ansiedade que foram capazes de produzir. Era uma maneira dele se sentir, mentalmente, aliviado ao se esquecer daquela “penosíssima, atribulada e infeliz peregrinação” (HF).

Conclusão
Depois de sua chegada ao Rio de Janeiro, em março de 1829, o cônsul se encontrou "privado de toda sua capacidade mental... inabilitado para qualquer coisa ou conversar sobre qualquer assunto".
Langsdorff retornou à Europa em maio de 1830 e, sem obter recuperação de sua saúde mental, deixou a vida científica para conviver com seus familiares.
Durante as manhãs, ao se sentar à mesa de seu escritório se empenhava para vencer as dificuldades advindas da doença. Quando mantinha eventuais diálogos com estudiosos, por vezes, deixava transparecer algum sinal de como fora nos anos de lucidez.
Enfim, seu quadro mórbido evoluiu para um enfraquecimento psíquico irreversível causando profunda modificação na dinâmica de sua personalidade e se refletindo na dificuldade para raciocinar, elaborar ou compreender os fatos.
Faleceu aos setenta e oito anos de idade, depois de conviver, cerca de vinte e quatro anos, com a enfermidade.

(Este texto foi elaborado a partir das apresentações feitas durante os III e IV Simpósios Internacionais sobre o acervo da Expedição Langsdorff por Francisco A. Florence Neto).