sábado, 12 de março de 2011

RESISTIU COMO A ROCHA EM RIO AGITADO

No dia seis de setembro de 1827 Hércules navegou de piroga pelo rio Paraguai e sobre o passeio escreveu em seu diário o trecho abaixo, seguido pela impressão pessoal que registrou vinte e um anos depois, quando já estava residindo em Campinas.

Assalta-me algum pesar, ao obrigar-me a noite a apartar-me desses lugares onde o ar, a água e a mata tanto contribuem para a calma e o sossego do espírito. Não a impelindo corrente alguma, a piroga obedece docilmente ao preguiçoso remo que a movimenta em direção ao lugarejo. Ao negror da noite, as árvores mais ou menos imersas transformam-se em grandes navios ancorados. Infinidade de estrelas atapetam o céu de ponta a ponta, enquanto um ou dois planetas fulguram com intensidade entre a galharia do maciço de árvores, brilho esse que coleia pelas águas. Rompo pela vastidão da baía e, de novo, abandono-me à correnteza que me transporta ao pé da escarpa donde, num abrir e fechar de olhos, alcanço nossa casa.

Se meu passado fosse todo de ouro e azul, dele não teria saudades. Mas bem que eu queria viver hoje horas de quietude análogas às com que me premiou aquele passeio... Muitas e muitas vezes depois, estive na mesma condição da rocha que se ergue em rio agitado, batida pela corrente que passa... e passa sempre. Resisti como essa rocha e, como ela, resistirei ainda e sempre. Minha alma estaria aberta para a felicidade, se esta se apresentasse...

Referência: "Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas" em tradução de Francisco Álvares Florence Machado e Vasconcellos Florence, publicado em 1977.

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